Sete de setembro de 2004. Dois de setembro de 2016. Duas datas separadas por mais de uma década, mas que guardam profundas semelhanças quando trata-se de política em Campos dos Goytacazes. Hoje, como há 12 anos, se avolumam denúncias envolvendo supostos abusos em distribuição de programas sociais, especialmente Cheque Cidadão, usados como “armas” para vencer a guerra pela Prefeitura do município. Muitos atores desse enredo também são os mesmos. Em 2004, houve cassação de mandato, perda de cargo e inelegibilidade para os envolvidos. Agora, as investigações ainda estão em curso, mas, quaisquer que sejam os resultados, as denúncias mostram que, ao contrário do que dizia o poeta Cazuza, em Campos o tempo parece parar.
A campanha eleitoral em Campos foi marcada por tensão e denúncias. Dois grupos principais disputavam a sucessão de Arnaldo Vianna, então no PDT. Dois anos antes, ele havia rompido com seu “padrinho político”, Anthony Garotinho, à época no PMDB. O fim do mandato de Arnaldo significava a possibilidade do grupo dos Garotinho voltar ao poder no município.
As denúncias começaram a ficar intensas no final do primeiro turno. Em 7 de setembro, a Folha da Manhã repercutiu matéria da Folha de São Paulo, que mostrava distribuição de cheques cidadão pelo então secretário estadual de Segurança, Anthony Garotinho.
O segundo turno não foi muito diferente: Tinha candidatos apoiados pelo Governo do Estado, que tinha à frente Rosinha Garotinho e pelo município. A imprensa nacional se voltou para a cidade, retratando a situação.
Carro-chefe dos programas sociais do Estado, o Cheque Cidadão foi alvo de inúmeras denúncias como distribuição irregular durante a madrugada, cadastros mediante a apresentação de título de eleitor, cadastramento em período eleitoral, por diretores de escolas.
Os supostos abusos levaram o Ministério Público a pedir a suspensão dos programas assistenciais até o final do segundo turno. No dia 23 de outubro, a Justiça Eleitoral atendeu a solicitação do MP.
Operações da Justiça e MP em vários pontos
Doze anos depois, voltam as denúncias de utilização irregular do programa social Cheque Cidadão. Em 2 de setembro, foi realizada uma operação da Justiça Eleitoral na secretaria de Desenvolvimento Social e diversos CRAS (Centros de Referência da Assistência Social). De acordo com o MP, a operação teve por objetivo instruir procedimento de investigação eleitoral que “apura uso indevido de benefício social (cheque cidadão) em troca de votos, prática que, além de criminosa, configura se confirmada abuso de poder político e econômico”.
No dia 28 de agosto, a equipe de fiscalização da 75ª Zona Eleitoral, ao averiguar denúncia, prendeu em flagrante o vereador Ozéias (PSDB) por estar, supostamente, comprando votos em Travessão. Com ele estavam agendas, onde constavam anotações de distribuição de cestas básicas, cheque cidadão e a quantia de R$27 mil. O advogado Luiz Henrique Freitas, que defende o vereador, afirmou que não nada havia que configurasse compra de votos. Segundo ele, o valor seria utilizado para quitar a parcela de um ônibus.
No dia 6 de setembro, uma outra operação, desta vez na casa do vereador governista Albertinho. Ele nega qualquer irregularidade.
Após operações conjuntas da Justiça Eleitoral e MP para investigar supostos abusos no programa social Cheque-Cidadão, a prefeita Rosinha publicou em edição suplementar do Diário Oficial a criação de uma comissão para “apurar eventuais desvios de finalidade do Programa ‘Cheque-Cidadão’”. O prazo de conclusão é de 30 dias.
“Práticas clientelistas vão da classe A até E”
Para o sociólogo e mestre em Ciências Políticas, George Coutinho, nem sempre os programas sociais tem impacto nas eleições: “O eleitor pode ou não adotar uma relação de lealdade com o governante. Os eleitores podem manter uma relação instrumental e cínica também com movimentos como esse. Contudo, é realmente inusitado e pode inspirar desconfiança para qualquer observador que se decida, justamente nas vésperas das eleições, realizar maiores investimentos nesse âmbito. A interpretação de que os governantes, utilizando de programas e políticas sociais, desejem influenciar o resultado das eleições não deve ser descartada”.
O grande problema em Campos, ressalta, é justamente uma longeva tradição clientelista. Políticas e programas sociais devem “empoderar” as populações que atendem, não podem servir como prática que aprisione os assistidos: “O cheque cidadão talvez seja só uma face mais evidente do clientelismo... Cabe notar que práticas clientelistas em Campos não abrangem somente os mais pobres. O clientelismo como gramática de atuação em Campos é ‘transclassista’. Digo isso por capturar grupos que vão da classe A até a E que tornam-se dependentes, e é este o ponto, dos favores do poder local”.
Fonte: Folha da Manhã / Por Suzy Monteiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário